Homens e Caranguejos

Magica é a multiplicidade da fotografia. Seu aspecto plural vem conquistando a todos desde sua criação. Particularmente, em meio a tantas possibilidades, me encanta a relação entre memória e arte presente nela. Provavelmente por isso sempre fui atraído pela obra de Isaias Belo. Seus trabalhos me transportam para um “tempo outro”, um lugar que tem morada nas emoções, nos cantos profundos da memória.

Em meio ao ritmo frenético do mundo digital, ele insiste em vivenciar o tempo de suas “latas mágicas”. Tempo este que permite a construção de uma relação entre o artista e o mundo diante dele.

O que deve pensar uma criança, jovem, ou idoso da Ilha de Deus quando se depara com uma lata, com um “furo de alfinete”, apontada para se, repousando por segundos, para transformar Luz em imagem?

Da primeira foto feita por Isaias na comunidade pesqueira Ilha de Deus, até a derradeira produzida por ele em 2024, já se vão 21 anos. Um tempo que agrega as suas fotografias a “maior idade”, mexendo com a memória, tanto dos moradores da Ilha, ao se depararem com o diálogo entre as imagens dos tempos da ponte de madeira e das palafitas, com as da nova ponte denominada de “Vitória das mulheres”, e as casas de alvenaria que já foram adaptadas pelos moradores com seus estilos próprios, como de qualquer pessoa que pode até nunca ter ouvido falar neste lugar.

O território da Ilha de Deus, isolado do continente, parece ter saído do romance “Homens e Caranguejos”, de Josué de Castro. Não é à toa que a pesquisa que deu origem a essa exposição virtual tem o título homônimo ao deste livro.

De 2003, ano em que Isaias teve o primeiro contato com a Ilha, aos dias atuais, além da construção de 271 moradias em alvenaria, pouca coisa mudou. Muitos dos problemas de outrora continuam, assim como a força e resistência de seus moradores. Vale ressaltar que a resistência, em grande parte, vem da organização das mulheres. Seu protagonismo a frente da luta para manter a tradição da pesca, da catação de marisco e sururu, garantindo assim o sustento de suas famílias.

Mergulhando nas 40 imagens que selecionei, um misto entre as feitas nos primeiros anos do século XXI e as produzidas em 2024, podemos perceber tais características. Como disse Nietzsche “Temos a Arte para não morrer da verdade”, e a sensibilidade de Isaias tem esse poder de deslocar a dureza do mundo real para a poesia do campo da arte.

Isaias fotografa a Ilha de Deus há 21 anos.

Por Mateus Sá | Curador desta mostra

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